segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Violência doméstica infantil cantada em música oitentista

Não faz muito tempo, postei aqui sobre uma letra dúbia de música que sugeria claramente que havia discurso pedófilo no seu conteúdo.
Devo dizer que me mantive numa posição meio tolhida porque adoro músicas de muitos gêneros e épocas, portanto, quando fico sabendo de alguma malevolidade que algumas delas possam trazer, chego a ficar um tanto deprimida...
Mas para compensar a tristeza que uma me causou, trago outra que só trouxe alegria por servir de alerta para uma realidade nada agradável: a violência doméstica infantil.
Acredito que muita gente deva conhecer Luka, de Suzanne Vega, do ano de 1987.
Essa canção tocou muito nas rádios, e a cantora também se consagrou através dela (há quem diga que ela, a cantora e compositora, viva basicamente , até hoje, dos frutos colhidos pelo sucesso de Luka!)
De estilo pop/rock, gostoso e extremamente delirante de se ouvir, Luka embalou muitos bailinhos de todas as idades, e era presença obrigatória em qualquer CD player!
Só que poucos sabem que, em meio a batidas que convidam a danças e coreografias, a canção trata de assunto delicado, mostrando pela ótica de uma criança, o que é apanhar sem limites de responsáveis irresponsáveis, ou seja, os próprios pais!
Ao atentar para a letra, não há como não ficarmos consternados e fragilizados, imaginando o peso da maldade que aquela pobre criança carrega no corpo e na alma...
Acompanhem comigo a letra e sua tradução:

Luka - Suzanne Vega

My name is Luka
I live on the second floor
I live upstairs from you
Yes I think you've seen me before
If you hear something late at night
Some kind of trouble. some kind of fight
Just don't ask me what it was
Just don't ask me what it wasJust don't ask me what it was
I think it's because I'm clumsy
I try not to talk too loud
Maybe it's because I'm crazy
I try not to act too proud
They only hit until you cry
And after that you don't ask why
You just don't argue anymore
You just don't argue anymore
You just don't argue anymore
Yes I think I'm okay
I walked into the door again
Well, if you ask that's what I'll say
And it's not your business anywayI guess I'd like to be alone
With nothing broken, nothing thrown
Just don't ask me how I am
Just don't ask me how I am
Just don't ask me how I am
My name is Luka
I live on the second floor
I live upstairs from you
Yes I think you've seen me before
If you hear something late at night
Some kind of trouble.
Some kind of fight
Just don't ask me what it was
Just don't ask me what it was
Just don't ask me what it was
They only hit until you cry
And after that you don't ask why
You just don't argue anymore
You just don't argue anymore
You just don't argue anymore

Tradução:

Meu nome é Luka
Eu moro no segundo andar
Eu moro bem acima de você
Sim, acho que você já me viu antes
Se ouvir alguma coisa de madrugada
Algum problema, algum tipo de briga
Não me pergunte o que aconteceu
Não me pergunte o que aconteceu
Não me pergunte o que aconteceu
Acho que é porque sou desastrado demais
Tento não falar alto demais
Talvez seja por que eu seja louco
Tento não ser muito malcriado
Eles batem só até você chorar
Depois disso, você não pergunta por quê
Simplesmente nem discute mais
Simplesmente nem discute mais
Simplesmente nem discute mais
Sim, acho que estou bem
Dei outra vez com a cara na porta
Se você perguntar, é o que eu vou dizer
Seja como for, você não tem nada a ver com isso
Acho que gostaria de ficar sozinho
Não tem nada quebrado, não há nada errado
Só não me pergunte como estou
Só não me pergunte como estou
Só não me pergunte como estou...
Eles só batem até você chorar
Depois disso, você não pergunta por que
Simplesmente nem discute mais
Simplesmente nem discute mais
Simplesmente nem discute mais...

(Um link para quem quiser assistir ao clipe:


A canção foi escrita num momento puro de inspiração de Suzanne, e é baseada em fatos reais.
Segundo informações na net, Vega teria se inspirado num menino português, de nome que não consegui apurar.
Por esta música fabulosa, Suzanne enriqueceu social e emocionalmente, pois como ela própria disse há pouco tempo: "Luka sobrevive porque sua historia permanece" (Lamentável que muitos de nós tenhamos uma passagem "lukiana" para contar...)
Não se espantem por a voz e a carinha da cantora serem tão doces, assim como o ritmo envolvente.
Essa suavidade foi proposital para mostrar ao público que por trás de fisionomias angelicais de pessoas nas ruas , pode-se esconder monstros horripilantes, de gente que massacra seus filhos e o teor carrasco de suas atitudes correndo surdamente em frases, como: "Não conte para ninguém, se não apanha mais!"
Ainda bem que meus pais nunca foram desse tipo.
Mamãe nunca me bateu, e meu pai me dava uns tabefes que eu de fato merecia, e sem extrapolar o limite do aceitável .
No entanto, bem pertinho de nossa casa, meus quase vizinhos e colegas de turma, não podiam dizer o mesmo.
A memória me traz uma situação tão massacrante e traumática para o meu cérebro de oito aninhos na época...
Um senhor costumava surrar sem dó meus colegas, ele que era o pai ( tornou-se normal chegarem com as pernas e braços roxos, marcas certeiras de pancadas esporádicas, na escola) .
E um dia, num momento de insanidade total, este senhor usou de sua "autoridade de pai" da maneira mais déspota que vi: batendo e batendo no filho, para ouvir uma determinada confissão! Foi assim.
Minha mãe tinha ido me buscar na escola e na volta cismou de bater um papo com uma conhecida.
Daí, esta conhecida deu falta de um chinelo e começou a procurar.
Procura daqui, procura de lá, e não o encontrou.
O pai desse meu colega, que trabalhava na construção do muro da casa, logo se pronunciou:
-Não foi meu filho quem roubou!
Ela respondeu, atônita, conhecendo a fama de "severo" com os filhos que o homem tinha:
- Não, moço, não estou acusando ninguém!...
Nem um minuto esperou, para ele dar o primeiro tapa no menino.
Uma sucessão de pancadas ocorreu, sem chance da criança se explicar com objetividade, só berrando em desespero:
- Não fui eu, pai! Não fui eu!...
Após a surra cessar porque aquele senhor tinha gozado com todo o prazer (como se fosse um gozo sexual) por ver a criança deteriorada em todos os aspectos, ele vira para o lado e diz, na maior tranquilidade, enquanto duas mulheres se encontravam aterrorizadas (mamãe e a dona da casa) e uma menina chocada para sempre (eu):
- Meu filho não roubou o chinelo da moça. Se não , ele teria falado...
A surra doeu na minha alma de tal maneira, que até hoje recordo com riqueza de detalhes, da vermelhidão nas pernas, braços e tórax do meu coleguinha (que tinha a mesma idade que eu), seu pequeno corpo tremendo de dor e vergonha, seus olhinhos suplicantes, o choro abafado de menino que sofre injustiça, seus gritos ressoando nos meus ouvidos para sempre...
Imaginem se ele tivesse roubado mesmo o tal chinelo e confessasse?!
Creio que aquele "pai" não o teria deixado vivo...
Que revolta eu mantive por anos ao vir aquele homem andando ileso nas ruas, como se ele fosse um detentor dos bons costumes ("Meu filho não é ladrão!") quando sinceramente, sua vida era uma amontoado de dor e trauma para todos nós(não só para os filhos!), que agradecíamos intimamente por não termos um pai como aquele...
Seus filhos cresceram bonitos e saudáveis; não deram para coisas ruins .
A dor, no entanto, estava lá, em alguma parte do coração e da mente, tendo um alívio nítido na voz deles pelo pai já ter partido ( passaram a falar dele com uma certa saudade, aquela do tipo que sentimos apenas porque o tempo cura todos os males!).
A idade adulta tinha feito bem a eles , mas não sei se se tornaram bons pais.
Há alguns anos não os vejo; espero que sejam, pelo menos, sensatos na educação dos filhos!
Por isso eu digo que o grande valor de Luka não é porque com uma simples audição musical possamos mudar a mentalidade de todos os seres humanos do mundo.
Contudo, atentando um minuto que seja para a letra, aquele tapinha que pensávamos aplicar numa criança quando ela retornasse da rua, fica sem lógica .
Um copo quebrado não é motivo de surra.
Uma malcriação, também não.
Nem a degustação de chocolate fora de horário.
E muito menos porque não tomou banho direito...
É, melhor deixar a vida ensinar a elas, com a surra miserável que é a constatação que há falta de moradia, e há muitas injustiças sociais, que ocorre a falta de saúde e educação, e transborda corrupção e egoísmo.
Copos podem ser comprados em lojas.
Dignidade, não...
(Imagem:

14 comentários:

  1. Já copiei aaqui no computador.

    É uma melodia triste, na época falava-se muito que era autobiográfica.

    Foi um dos maiores hits da época, apesar de ter tocado demais, hoje ainda mantem sua magia.

    Bjs

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  2. Oi, Jânio!
    Também a acho triste, mesmo porque conhecendo o significado da letra, não tem como ficarmos impassíveis, não é mesmo?
    Será q é mesmo autobiográfica?
    Espero q não...
    Essa música está sempre up-to-date porque, infelizmente, a violência infantil dentro de casa ainda existe e muito, como falou a própria Suzanne Vega.
    Adoro essa música!!!!
    Lindo, bjs p/ vc também! :-)
    Mary.

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  3. Querido José,
    Vc lembrou de um fator tão interessante!
    Realmente, pais que surram seus filhos, não os transformam apenas em traumatizados dentro do lar.
    Isso ganha dimensões maiores, se expande p/ o social, p/ a depressão, a tristeza coletiva...
    Os pais são incumbidos, por serem os responsáveis legais dos filhos, de transmitir bons exemplos, e não de aniquilarem a personalidade das crianças c/ uma despropositada brutalidade!
    Como vc falou também fantasticamente, só mesmo Deus sabe o porquê de certas crianças crescerem s/ traumas ou mágoas.
    Meus colegas se tornaram pessoas decentes, ainda bem!
    Obrigada pela ótima participação, como sempre!
    Abração forte da mary p/ vc! :-)

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  4. A violência é triste em qualquer lugar e de todas as formas, desde que seja nas guerras, nas grandes cidades, no trânsito, contra animais, e principalmente contra crianças, e muitas vezes praticada pelos próprios pais e parentes. Triste realidade.

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  5. Joselito, querido!
    Qualquer forma de violência é revoltante, mas a que mais me deixa deprimida, é a feita contra crianças e animais.
    Por causa da inocência; eles não tem como se defender!
    E quando se trata dos próprios pais, q são os encarregados de ensinar e acabam destroindo os filhos?
    É p/ se pensar, não é mesmo?
    Por isso eu gosto tanto de "Luka"!...
    Abração e obrigada pela participação!
    Mary. :-)

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  6. Realmente violência é muito revoltante, seja contra animais, crianças, mulheres ou idosos.

    Na minha infância Mary nunca passei por isso Graças a Deus, mas eu me lembro de amiguinhos que teve naquela época que sofriam sim de violência doméstica, me lembro muito bem de um caso em que um dos meus amigos apanhava do pai com cabo de vassoura.

    Naquela época eu não tinha consciência desse horror, senão com certeza eu teria denunciado, hoje se eu passar por uma situação dessas de ver que alguém nem precisa ser criança, está sendo violentado eu nem penso duas vezes e denuncio.

    Acho que só assim com o apoio da Sociedade denunciando para que este problema venha a ter um fim.

    òtimo post Mary

    Um grande Abraço !

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  7. Olá Mary!

    Eu apanhei muito da minha mãe. Certamente ela achava que essa era a maneira de me colocar num bom caminho. Mas, não guardo rancores, mesmo porque, em muitas vezes, ela estava certa e eu errado. Porém, acredito noutras formas de educação, que não a agressão física e nem a mental.
    Abração, amiga, seu link vai para o meu blog Timidez To Fora.

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  8. Oi, Ivan!
    Com certeza, amigo, essa é uma das formas mais cruéis q existem de violência pois é contra pequenos seres q não tem como se defenderem...
    Vc está certíssimo: denunciar os maus tratos porque é a única maneira de paralisarmos os adultos sem consciência!
    Um abraço e obrigada pelo comentário!
    Mary :-)

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  9. Oi, Aurélio!
    O q ocorre é q muitos adultos na infância apanharam e só conhecem esse caminho p/ "ensinarem" os filhos!
    No final é um ciclo vicioso q temos, através da conscientização, quebrarmos p/ q a nossa sociedade se torne mais humana, no sentido real da palavra!
    Parabéns pela coragem de vc compartilhar conosco essa sua passagem triste da infânci!
    Obrigada pelo link!
    Abraços,
    Mary :-)

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  10. Tenho a certeza que o fato que voce narrou ainda deve doer em voce,pois ao lê-lo ainda doeu em mim.
    A violêmcia é absurda,porem diante do que vemos hoje em dia,seres quasi bebês, nos afrontando,na saida de farmacias,lojas,bares.
    Como deveria a sociedade proceder?
    ao ouvir uma criança tão pequena dizendo de forma rispida para uma velha como eu
    ( Voce acha melhor que eu saia por aí roubando e matando?)
    Sinceramente choquei!
    Paz e muito progresso para voce
    Parabens pela coragem
    Alcione

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  11. Oi, Alcione!
    Primeiramente, meu profundo agradecimento pelo seu comentário gentil e tão consistente!
    Agora, eu de fato me lembro até hoje muito bem da maldade daquele homem c/ o filho...
    Que ignorância, q falta de senso ao imaginar q surrar educa alguma criatura!
    É algo a se refletir mesmo esses casos de crianças c/ "autonomia" p/ serem bandidas...
    Sinceramente não sei bem o q dizer!
    A minha opinião é q a política de base de todo país deveria ser a educação, mas a família também tem q colaborar, dar amor, carinho, respaldo emocional p/ as crianças pois, apesar de parecer clichê, são elas o futuro de todo país!...
    Mais uma vez, muito obrigada!
    Um abraço,
    Mary.

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  12. Bom dia, Mary!

    Meu nome é Gizele. Sou assistente social recém formada, estagiei em abrigos para crianças em risco social e a minha monografia foi sobre maus-tratos físicos contra a criança.
    Pesquisei muitas coisas sobre o tema em diversas fontes... e... com base - não só na minha pesquisa mas na minha própria experiência pessoal - lhe digo, seguramente, que não há "limite do aceitável" para a prática da violência física! "Tabefes" são "tabefes"! Não deixam de ser um ato violento.
    Um simples tapa é um modo de mostrar para a criança que a violência é válida como solução de conflitos. Você pode ter enxergado esse ato de uma forma diferente, porque naturalmente teve uma infância boa que compensasse um tapinha ou outro
    esporadicamente... mas... e aquela criança que não tem mais nada para pesar na balança?
    Não estou aqui para questionar sua opinião, de forma alguma! Mas gostei muito do seu blog e, consequentemente, dos seus comentários, e senti a necessidade de postar a minha opinião - se me permite.

    Ah! Parabéns pela iniciativa!

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  13. Oi, Gizele!
    Entendi o q vc quis dizer e espero q entenda a minha posição sobre "tabefes".
    Acho q há pessoas q batem s/ escrúpulos nos filhos no objetivo de mostrar-lhes "quem é q manda".
    No caso do meu pai, eu entendi seu procedimento como algo de impulso, aquela coisa de perder a cabeça momentaneamente e aplicar uns tapas rápidos, s/ pensar muito.(Entendamos q ser pai e mãe não é nada fácil e q crianças nos fazem perder a paciência, às vezes!)
    Tanto é q , passado o momento, ele já estava me botando no colo, perguntando o q eu queria ganhar de presente e por aí, vai.
    Apesar da infância ter sido bem legal, se meu pai fosse do tipo "grotesco", eu teria guardado mágoas e iria olhá-lo c/ ódio, sempre remoendo tristeza, coisa q não ocorre.
    Mas vc está certa no tocante q nenhuma forma de violência é caminho de educação!
    E fique à vontade p/ expor o q quiser!
    O Fatos de Fato tem esse objetivo mesmo, a da troca de opiniões, ideias, tudo o q for possível! rsrsrs
    Obrigadíssima pela participação consciente e edificante!
    Bjs, e volte sempre!
    Mary.:-)

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  14. Essa música, quando ouvi a primeira vez me arrebatou, sabia e sentia que de certa forma a cantora queria falar de alguém ou dela própria sobre violência. E em si tratando de violência, tenho minha história lukiana, e não foram meus pais. Passou, creci, mas trago comigo cicatrizes que ninguém é capaz de mensurar.

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