PARA QUEM AMA GATOS

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quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Lauro Luís



Conto de hoje: Lauro Luís.
Do livro de contos VIDA, VEZ... VOZ DE GATO,  de Mary Difatto.
Toda quinta-feira, uma nova publicação.
A história de um gato contada por ele mesmo.




                   Lauro Luís



Sempre tive vida boa desde criança. Muito bem tratado, comendo as melhores rações e patês de atum, meu sabor predileto dessa iguaria.
Minha caminha tem a forma de cabeça de gato, na cor azul e branca, com uns fios pretos na cabeceira,  imitando os meus bigodes. Às vezes durmo nela; outras, não (mamãe fica rindo quando eu deito numa caixa apertada de embalagem de 10 unidades de leite longa vida).
Não sou gorducho, mesmo porque sou siamês (sialatinha para ser mais  exato, a mistura de siamês com outra raça), e segundo dizem, essa raça de gatos tem problema para engordar. Portanto, felinos desse tipo se mantém sempre esbeltos.
Possuo olhos azuis profundos, que todo mundo fica admirando. Eu mesmo me  defino  como muito simpático e amigo de todos. E bonito também. Espero ser desculpado pela minha falta de modéstia!...
Meu nome Lauro Luís foi escolhido em homenagem a uma dessas novelas de TV. Mamãe juntou os nomes de dois personagens e gostou do som. Ela sempre me chama assim mesmo, Lauro Luís completo!
Aqui em casa tem tantos animais...
Mamãe coloca nome em cada um, e trata a todos super bem!
São vários bichinhos, de tantas espécies! Até um papagaio e um mico ela pegou autorização do Ibama para tê-los em casa.
Além de vários gatos, há cachorros, coelhos, hamsters, um furão, dois porcos e tantos outros animais, que parece até uma pequena fauna!
O espaço do quintal é bem grande, e tem gente que chama isso aqui de sítio, embora não seja de verdade, apesar de lembrar um.
Como eu disse, sou muito simpático e me adaptei a todos esses animaizinhos.
Eu fico mais dentro de casa, mas como o terreno é todo telado, nenhum animal tem acesso à rua, então, de vez em quando ando por aqui tudo, vendo os meus amiguinhos comendo, bebendo água.
Alguns também dormem dentro de casa comigo. Só os mais calmos, que não derrubam as coisas, como diz mamãe.
Dessa turma toda, eu gosto mais dos porcos. Os daqui são limpinhos e não vão ser usados para serem ingeridos. São de estimação. Pertencem a uma raça de tamanho médio; muito mansinhos e engraçados. Eu monto, e até durmo, nas costas deles. Muito legal quando acontece isso! (Mamãe não resistiu um dia desses e tirou um montão de fotos).
Alguns amiguinhos me olham meio torto, mas eu nem ligo. Nasci tranquilão; ninguém abala a minha serenidade!
Bem... Quase ninguém!

Não sei explicar bem o que acontecia comigo em relação aos calopsitas. Sempre que os via, não os encarava como os outros animais; vinha uma ideia absurda de caçá-los e devorá-los. Eles me tiravam a paz!
Convivo com aves desde pequeno. Adoro o papagaio! Ele fala coisas divertidas, e até imita o meu miado, o engraçadinho!
Mas as calopsitas...
Eram lindas! Voavam para todo o lado e viviam num viveiro enorme que mamãe mandou construir só para elas (o papagaio fica dentro de casa).
Como eram um casalzinho, já os vi namorando algumas boas vezes. Mamãe esperava que viessem bebês em breve.
Percebendo que de todos os animais, incluindo os outros gatos da família, eu era o único que olhava muito atentamente para aquelas aves, minha mãe uma vez comentou com o filho humano dela:
- Vou ter que prender Lauro Luís toda vez que abrir o viveiro. Não estou gostando nadinha do jeito dele...
Ela estava certa: eu não tinha boas intenções.
Sonhava a todo momento com um modo sorrateiro que eu pudesse invadir aquele espaço e catar as calopsitas e degustá-las! Era o meu sonho de consumo.
Não era por fome. Só o instinto felino de caçador mesmo.
Achava interessante que só eu pensasse assim. Os outros gatos os olhavam e seguiam a vidinha deles, sem problema algum. Ou será que também pensavam como eu, só não demonstravam? Bem, isso aí  nunca vou saber...
Os meus dias passaram a ser assim, de mamãe alimentar as aves, e eu ficar roçando a patinha na porta da minha casa, para poder abri-la e conseguir me aproximar deles. Eu estava ficando obcecado!
Até que num dia qualquer, minha mãe havia levado a ração das calopsitas, e eu saí porta afora, sem ela me ver. Ela estava um pouco preocupada com uma ligação que recebeu, e não se deu conta que havia deixado a porta apenas encostada. Fiquei escondido atrás de um banquinho no quintal.
Reparei que a porta do viveiro, enquanto ela ficava lá dentro, não era trancada.
Então, quando mamãe  ficou de costas, não precisou de muita coisa para eu conseguir empurrar aquela porta frágil que me separava por alguns centímetros do meu objetivo.
Tudo aconteceu muito rápido.
Escolhi uma das calopsitas e avancei, pulando lépido e seguro. Logo a ave caiu morta, e eu senti a bobagem que fiz.
Ao se deparar com a cena fatídica, mamãe começou a gritar desesperada, no que me levou a correr para dentro da minha casa e ficar bem quieto.
Fiquei curioso e olhei para trás: ela estava chorando muito.
Quando finalmente mãezinha entrou, depois de quase meia hora, a escutei me chamar:
- Venha cá, Lauro Luís! Eu sei que você está escondido... Você me paga, seu gato cretino!
Eu estava atrás da cortina, e sabia que alguma coisa aconteceria comigo. Mãezinha era boa, mas não aceitaria aquela maldade minha de matar um de seus bichinhos de estimação. Estava nervosa demais! Ela nunca havia ofendido na minha vida!
Lá para as tantas,  me encontrou.
Aturdido, eu estava com os olhos esbugalhados de pavor. O que seria de mim?
Um pouco mais calma, ela me olhou no fundo dos olhos e disse:
- Você não vai mais ficar aqui. Vou te doar pra uma amiga minha aqui do bairro. Não suporto nem olhar pra você...
Não me bateu, me deu ração normalmente, mas eu notei que não era mais a mesma comigo.
Conforme a sua decisão, no dia seguinte, fui doado realmente para uma moça muito legal amiga dela. Mamãe nem quis se despedir direito. Colocou-me na caixa de transporte, sem olhar muito na minha direção. A mágoa era muito grande.
Era bem cuidado por essa amiga. Recebia comida boa, a minha nova mãe era carinhosa. Porém, eu sentia falta da minha casa antiga, e eu amava a minha mamãe, apesar de toda a sua revolta.
Passei uns três ou quatro meses, pensando em fugir e voltar para onde eu considerava o meu verdadeiro lar.
Tentava arrumar uma forma de escapar sem ser visto. Mas a minha nova mãe era bem precavida, telando todas as rotas de fuga.
Minha chance surgiu numa festinha de aniversário da filhinha dela.
Com tantas crianças brincando, falando, algumas chorando, outras cantando, que nem perceberam um gato passar por entre as pernas delas e ganhar o caminho da rua pelo portão encostado.
Perambulei umas duas semanas.
Onde eu morava, não era longe, só que eu não tinha costume de andar pelas ruas, muito menos de atravessá-las, por isso, sofri um bocado para conseguir me situar.
Quase fui atropelado várias vezes. Comia mal, dormia mal, peguei chuva... Foi um sufoco!
Até que consegui encontrar a minha casa. Havia, no entanto, um medo: como eu poderia voltar, se mamãe não me queria mais?
Meu estado físico era deplorável. Muito fraco, cheio de ferimentos, com fome, sede, e até doente.
Caí quase desmaiado em frente ao portão de mãezinha. Achei que era o meu fim.
Quando ouvi o barulho da chave rodando na fechadura e alguém saindo, senti uma ponta de esperança. Esse alguém gritou:
- Lauro Luís! Ô, meu Deus, meu Deus... Você está tão ruinzinho, meu filho. Vou cuidar de você direitinho. Você vai ficar bom!
Era mamãe, chorando tanto por me ver, que eu percebi, no meu coração de gato,  que ela havia me perdoado.
Depois de me levar ao veterinário, e fazer uma bateria de exames, ela soube que eu estava apenas desidratado. O médico me pôs no soro.
O doutor limpou meus ferimentos, receitando uma dieta para o meu estado físico, incluindo suplementos vitamínicos um pouco caros, que pesou no bolso da mamãe. Porém, ela ficou do meu lado o tempo todo, agradecida por eu ter retornado ao lar.
Fiquei forte de novo, e voltei a ser o amado filho, com os mesmos paparicos e coçadas na cabeça que tanto gosto!
Descobri que mamãe havia se arrependido de ter me doado.
Uma semana depois, me pediu de volta, mas a amiga gostava muito de mim e não quis me devolver.
Só que quando eu sumi, a amiga ligou para ela, sentindo complexo de culpa por ter me deixado fugir. Por isso, falou para minha mamãe ficar comigo, caso eu fosse reencontrado.
Continuo indo para o quintal quantas vezes eu quiser.
Estou convivendo com meus amigos novamente, e ando dormindo de vez em quando, nas costas dos porcos. Eles são incríveis!
Nesse tempo que passei longe, mamãe arrumou uma namorada para a calopsita macho.
Parece que estão se entendendo muito bem!
Por minha parte, continuo sendo o mesmo caçador de antes. É o meu instinto.
Entretanto, pelo temor de perder minha mãezinha de novo, não passo nem perto do viveiro!
Ela chega a rir, quando me aproxima do local de brincadeira, e eu corro desesperado!
Um cuidado redobrado tem para que eu não entre novamente naquele lugar e faça coisa errada: tranca a porta da nossa casa e da moradia das calopsitas. Assim não há risco nenhum de acontecer o pior.
Às vezes me pergunto se um dia vou enxergar aquelas aves como amigas, assim como vejo o papagaio.
Acho que não.
Bom. Só em não vê-las como comida nunca mais, já é alguma coisa...

(Imagem:
https://www.facebook.com/MaryDifatto)

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