PARA QUEM AMA GATOS

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quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Black


Conto de hoje:  Black
Do livro de contos VIDA, VEZ... VOZ DE GATO!,  de Mary Difatto.
Toda quinta-feira, uma nova publicação.
A história de um gato contada por ele mesmo.



                                           Black



O meu problema começou pura e simplesmente por eu ser pretinho.
Nasci numa ninhada de quatro gatinhos,  todos claros, e minha mãe gata também. Só eu de pelagem totalmente preta.
Quando eu estava um pouco crescido, a minha ex-tutora me botou numa bolsa de supermercado, me deixou mamar bastante uma hora antes, me despejando num lixão bem longe da casa dela.
Meus irmãos continuaram lá; só eu fui excluído daquele convívio.
Na época quando eu morava na antiga casa,  muitas pessoas chegavam para brincar com meus manos, e quando me viam, faziam uma cara esquisita, como se eu tivesse alguma doença.
Comentavam logo que olhavam para mim:
- Cruzes, gato preto! Esse bicho dá um azar...
Minha ex-tutora concordava. Várias vezes ouvi ela dizer:
- Logo, logo, eu vou doar esse gato!
Mas ela não me doou: me despachou como se eu fosse um produto estragado ou um trapo velho!
Ao me jogar ali naquele lixo imundo, eu não compreendia muita coisa; era só um gatinho novo ainda.
Não conseguia entender, por exemplo, como uma pessoa que se dizia gostar tanto de gato - criava muitos até - poderia desprezar a mim, apenas por eu ter uma pelagem escura.
Por causa desse abandono, tive que aprender a me virar rapidamente, para não morrer de fome.
Uma das primeiras lições foi aprender a correr.
A todo momento, eu tinha que correr de várias situações de perigo.
Fico aqui pensando se existisse campeonato de corrida de gatos. Eu ganharia a medalha de ouro, com certeza!
Os cachorros, os gatos maiores e os seres humanos formavam o meu motivo de luta diária para eu tentar me estabelecer.
Uma angústia sem fim para todo mundo se alimentar...

Era uma ânsia de sobrevivência tal,  que só quem mora nas ruas, sabe do que estou falando.
Vi muitos cães famintos e sujos, gatos adultos magros, gatas prenhes que tinham seus filhotes no meio da sujeira, pessoas de rua, maltrapilhas, que reviravam latas iguais animais em busca de comida.
Eu ficava magoado quando batiam em mim. Mas no fundo compreendia que estavam todos querendo o mesmo que eu, ou seja, comer, então, seguia o meu caminho tentando descolar algo levemente comestível que desse para matar a fome, mesmo que por algumas poucas horas.
Aguentei enquanto pude, fugindo de toda sorte de humilhação e espancamento, até cismar de fugir dali para encontrar um lugar melhor.
Dias e dias passei procurando um lar.
Nesse ínterim, fui tão escorraçado!...
Era sempre a mesma ladainha:
- Nossa, gato preto! Odeio gato preto... Sai daqui, bicho nojento!
E eu tomava vassourada e pedrada quando passava apenas no portão da casa de alguém. Parecia que as pessoas faziam questão de me agredir!
De tanto correr de um lado para o outro, fui parar num lugar ermo, um pouco afastado do centro da cidade.
Estava na minha tentativa de encontrar comida, como sempre, quando uma moça me viu e se admirou:
- Que maravilha! Um gato totalmente preto!
Ela começou a me chamar e eu que tinha certo medo de gente, não fui com facilidade.
- Vem, gatinho! - ela dizia - Vou te dar comida e vou te levar lá para a minha casa!
Claro que não acreditei. Eu estava bastante experiente das ruas para não sair confiando em qualquer um.
Mas ela voltou ali com ração para gatos, coisa que nunca havia comido na minha vida!
Comi tudo e muito rápido. Desse modo, ela conseguiu me pegar no colo.
Enquanto caminhava com a moça, pensei: "Estou indo para o paraíso! Uma casa e muita comida eu vou ter. É tudo o que eu queria!"
A primeira coisa que percebi logo ao chegar, que se tratava de um terreno enorme, com várias casinhas e bichos para todos os lados, mas a maioria presos.
"Será que vão me prender também?", pensei.
Foi exatamente isso o que a moça fez: me jogou num biombo fechado, que mal entrava ar para se respirar.
Fiquei desesperado, mas eu não podia correr, como eu sempre fazia.
Meu contato com essa moça passou a ser através de um buraco pequeno que entrava apenas um comedouro com ração e o outro com água, uma vez pela manhã. Ouvia muitos sons dos animais, mas  não conseguia vê-los.
Não sabia o que fariam comigo, até escutar alguém dizer:
- O gato preto vai ser sacrificado agora, nesta sexta-feira próxima. Ele está pronto.
Eu já havia aprendido isso nas ruas, de tanto ouvir comentários, de que gatos pretos são usados em magia negra, em rituais onde nós somos sacrificados, para se obter alguma vantagem.
No entanto, como eu poderia fugir da minha sina tão triste e cruel? Não havia saída, o espaço era mal iluminado, era ruim de enxergar até mesmo para um gato como eu, que tem uma visão muito boa.
Pelo o que eu entendi, a sexta-feira que uma pessoa se referiu, estava bem próxima, e isso significava que minhas chances eram bem poucas de escapar.
Passei todo aquele período muito preocupado. Comia pela manhã porque a fome era intensa, mas não conseguia parar de pensar num jeito de fugir daquele lugar horrível.
O dia fatídico havia chegado. Ouvi muitos passos de gente, naturalmente se preparando para o ritual malévolo que iria dar cabo da minha vida de gato.
E eu sem poder fazer nada...
Já estava conformado com o meu desfecho, quando escutei vários outros passos, um vozerio em forma de gritos, gente dizendo que não era culpada, pessoas correndo jurando que tudo ali estava dentro da lei...
Reconheci as pessoas que chegaram depois, pelo jeito como falavam: eram policiais!
No que eu pude compreender, ali era um lugar múltiplo para toda forma de comercialização de animais. Desde venda e criação ilegal de animais de raça, até encomenda de bichinhos usados para magia negra.
Foram todos presos, inclusive a moça que me pegou na rua.
Nós, os bichinhos confinados naquele reduto de horror, fomos direcionados para abrigos onde ficamos à espera de sermos adotados.
Os tutores trataram imediatamente de me castrar por vários motivos. Um deles é que afasta mal-intencionados de quererem fazer ritual malévolo. Apenas os gatos chamados inteiros (não-castrados) são usados para esse fim cruel.
Não posso dizer de modo algum que fui maltratado nesse novo lugar. Recebia comida, água à vontade, tratamento veterinário, e muito carinho também.
Mas eu sentia falta de um lar, de uma família para chamar de minha.
Volta e meia muitas pessoas vinham em busca de um bichinho para levar para casa. Mas eu sempre ficava para trás. Por ser preto e também adulto.
Minhas esperanças de ter uma família estavam a cada dia se esgotando. Era um tristeza quando eu via meus amiguinhos indo embora e só eu lá, não merecedor de amor.
Meu sofrimento durou cerca de três anos.
Certa manhã, como quem não quer nada, se aproximou um casal.
- Olha, amor, que gato mais lindo! - disse a esposa, sorridente.
- Todo pretinho... Parece uma pantera! - comentou o marido, também sorrindo.
- Ele está para adoção? - perguntou a moça para uma das tutoras.
- Está. Se quiserem adotá-lo, é só preencher a ficha.
Eles preencheram e fui adotado no mesmo dia.
Não tive dúvidas que seria feliz em minha nova casa. Foi amor à primeira vista!
Eu que tinha medo de humanos, fui no colo dos meus pais, totalmente entregue ao amor que eles poderiam me dar e eu, a eles.
Tenho muitos irmãos gatos e cachorros.
Aqui ninguém disputa comida, e não preciso mais correr. Recebo alimento, às vezes, na boca, só de farra dos meus pais, quando querem me mimar.
Aprendi a ronronar, coisa que não sabia muito bem como fazer. Adoro chamego! Eu costumo retribuir roçando meu corpo agora gordinho, nas pernas dos meus pais.
Perdoei a minha primeira tutora. Ela foi somente uma ignorante que acreditava nessas crendices de que gato preto dá azar. Não aprendeu que um gato não é diferente por causa de uma cor de pelo.
Estou atualmente com meus oito anos de idade, muito contente por ter uma vida realmente boa. Agora posso dizer que estou no paraíso!
Ah, e antes que eu esqueça, meu nome é Black!...

(Imagem:
https://www. facebook,com/MaryDifattoOficial)

2 comentários:

Unknown disse...

Que história triste.... mas o final graças a Deus feliz.
Como pode alguém maltratar é até matar um lindo gatinho apenas por ser negro?
Gatos são todos lindos, maravilhosos, independente da cor de seus pelos.

Mary Miranda disse...

Olá!

A história do gatinho Black, infelizmente, é a de muitos felinos com essa cor de pelo.
Infelizmente, a superstição e o preconceito contra esses bichanos é enorme ainda, o que muito atrapalha na hora de alguém escolher um gato para adotar.
Os gatinhos pretos são os menos procurados, por isso, sobram em ONG's de resgate de animais.
Obrigada pelo comentário!

Um abração,
Mary.

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