PARA QUEM AMA GATOS

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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Dalila Sereno



Conto de hoje: Dalila Sereno
Do livro de contos VIDA, VEZ... VOZ DE GATO, de Mary Difatto.
Toda quinta-feira, uma nova publicação.
A história de um gato contada por ele mesmo.



                                            
                                  Dalila Sereno



Quando nasci, ninguém dava nada por mim, pois as minhas chances de sobrevivência seriam mínimas.
Muito magrela, cheia de vermes, remelenta, de pelo sem brilho...
Eu parecia um trapinho preto, de "babador" branco. Muito feinha eu era...
A minha ninhada tinha sido grande: 9 filhotes.
E claro que não havia leite para todo mundo. Os magrinhos como eu, não conseguiam mamar direito.
Mamãe humana, que havia resgatado mamãe gata das ruas já prenhe, logo quando os bebês ficaram fortinhos, doou todos, até a minha mãe gata, que já estava castrada e pronta para a doação.
Menos eu...
Tive que receber cuidados especiais. Houve um gasto maior comigo, num período que meus pais contavam com pouco dinheiro. Tudo era sacrificado.
Mamãe havia ganhado bebê humano por aqueles tempos e os gastos só fizeram aumentar!...
Ao completar 6 meses de idade, eu estava uma bola, de tão gorda! E bem bonita também.
Sem vermes, sem remelas, sem pulgas... Linda demais!
Era hora de me doar, como mamãe havia feito com os meus irmãos.
Além do bebê humano, minha mãe tinha dois gatos anteriores à chegada de minha mãe gata, que eram muito bem cuidados.
Devido aos poucos recursos financeiros como disse antes, ela preferiu me dar a alguém que pudesse me tratar melhor do que ali em casa.
Com o coração partido, mãezinha me entregou aos cuidados de uma moça muito boazinha, moradora do bairro mesmo.
Fui para a sua casa meio contrariada, porque gostava de mamãe, do papai, dos meus irmãos gatos e do bebezinho que havia nascido.
Conclusão: gostava de tudo!
Mas, enfim, aceitei ficar. Mesmo porque recebi tratamento de primeira, com muita comida, brinquedos para brincar, deitava onde quisesse, não tinha acesso à rua... Igual como era a minha casa antiga!

Estava gostando, embora sempre me lembrasse da residência anterior, onde havia sido muito feliz.
Esse tratamento bom durou um mês.
A festa acabou para mim, no retorno da minha tutora ao seu trabalho (quando me adotou, estava de férias). Minha vida não ficou mais a mesma...
Passei a ficar horas e horas sozinha, e quando minha tutora chegava, tão cansada,  mal me olhava.
Colocava a ração e água automaticamente, corria para o banho, jantava às pressas, e depois eu a via caindo de sono diante da TV, com o controle remoto várias vezes indo ao chão.
Comecei a me entristecer...
Não queria comer como eu comia antes, nem bebia água direito, dormia pouco!...
Meu dia era passado dentro do armário de roupas, só saía dali para fazer minhas necessidades fisiológicas.
Minha tutora era boa, mas não tinha tempo para se dedicar a um animalzinho. Seu erro foi me adotar, sabendo que as férias iram terminar dentro de um determinado período.
O que aconteceu para eu me recuperar? Fui devolvida aos meus pais.
Lembro que a moça chorou muito quando me entregou, mas sabia que era o melhor para mim.
Já mãezinha, também chorou demais, só que de emoção, muita alegria pelo meu retorno!
No fundo, não queria que eu fosse. Eram só os problemas financeiros que a levaram a tomar aquela atitude.
Quando revi mamãe, fiquei numa alegria tão grande! Ronronei, passei a caudinha nas pernas dela, bati com a patinha de leve em seu rosto para alisá-lo...
A outra moça era legal, mas minha mãe de verdade sempre foi aquela que me aceitou de volta!
Mamãe tomou uma resolução. A partir daquele momento, não haveria problema algum que a impediria de ficar comigo. Eu era a sua filhinha, e pronto!
Logo estava eu gorducha de novo. Voltei a comer feito uma leoa!
Era maravilhoso estar de volta!
Com o passar do tempo, mamãe conversando com outros amantes de gatos, descobriu algo interessante:
- Como assim, minha gata pode ser doadora de sangue? - foi o que ela perguntou quando alguém lhe disse.
- É, pode, sim. Há gatinhos que precisam de transfusão de sangue iguais a nós, quando sofrem fratura, se machucam, têm alguma doença grave...
- A Dalila pode ser, então? Quais os critérios?
- Ela é jovem, só tem dois aninhos, é saudável, dócil, gordinha (eu disse isso porque tem que ter no mínimo, 4 kg, sabe?) O perfil dela é certinho para uma doadora!
Ficou meio pensativa a minha mãezinha, mas logo decidiu me levar para uma instituição séria.
Pois foi assim que me tornei uma pequena celebridade na clínica médica que colhia o meu sangue.
Chegava cedo, não comia nada antes, alisavam a minha cabeça, e colocavam um tubo no meu bracinho, que não doía nem nada.
Depois eu era levada para uma sala onde os tios veterinários me examinavam, davam ração de primeira e me queriam tão bem!
Era porque eu estava fazendo uma grandiosa ação ajudando a outros gatinhos - e até cachorrinhos! - debilitados que precisavam de sangue.
A sorte que meu tipo sanguíneo era o mais comum, logo, eu consegui salvar muitas vidas.
Ganhei uma carteirinha e um crachá com o meu nome e sobrenome dos meus pais: Sereno.
Era divertido, porque todo mundo me chamava pelo nome completo:
- Olha quem chegou! Como vai, Dalila Sereno?
- Ah, que gorduchinha mais linda!!!! Dalila Sereno lacra!
Minha rotina de doadora era cumprida de três em três meses, e por todo o tempo ia para o local com muita alegria e generosidade.
Conheci muitos papais e mamães de gato que me abraçavam e choravam, quando sabiam que os seus felinos haviam sido salvos através da doação de meu sangue.
Permanecia quieta, e olhava para o rosto da minha mãe, para saber como agir.
Ela sorria, então, percebia que podia aceitar ir no colo daquelas pessoas.
A vida andava às mil maravilhas, tendo tudo o que queria!
Porém, num certo dia, acordei desanimada, não queria fazer as coisas da minha rotina de gata gorducha, como me alimentar bastante, por exemplo.
Na verdade, não queria nada de nada...
Não queria brincar, dormia mal, meus pais tentavam me pegar, eu corria.
Estava muito mal mesmo!...
Claro que mamãe me levou ao veterinário, na mesma clínica onde doava sangue; fui atendida gratuitamente.
Depois de alguns exames, descobriram uma situação impensável pelos meus pais: eu estava desidratada!
Daí fiquei no soro para me reanimar. Só voltei para casa à noitinha, nos braços do papai, que ficou bem preocupado.
O problema todo era que eu não bebia água o suficiente para o meu tamanho. Pesadona, comia feito doida esfomeada, mas na hora de ingerir líquido, era um fracasso!
Meus pais achavam que pelo que viam eu bebendo, já era o bastante. Mas, não.
Foi uma luta para me convencerem a colocar mais água  dentro do organismo!
Emagreci um bocado. Fiquei abaixo do peso exigido para doação de sangue.
Não poderia doar por um bom período...
Levei uns cinco ou seis meses para ficar normal de novo, ou seja, bem gordinha!
A tática usada foi a de pôr no canto do corredor, um bebedouro estilo chafariz, de um jeito atraente, que eu não resistia e ia lá, e ingeria aquela água gostosa sempre fresquinha! (Meus irmãos gatos também se aproveitaram da novidade!...)
Quando voltei a doar sangue, fui recebida com uma festa linda na clínica! Eu e alguns outros poucos gatos doadores fomos homenageados.
Renovaram o meu crachá e a carteirinha.
Minha foto está engraçada, eu com uma cara enorme, mais gorda do que nunca...
O tempo passou depressa, e já estou eu aqui com os meus seis anos de idade.
Ano que vem será o meu último ano como doadora.
É porque um gatinho para realizar esse tipo de procedimento, deve ser jovem, e aos oito, é considerado maduro.
De antemão, já estou com saudades de todos.
Muito pesarosos, meus pais não querem que eu pare. Eles acham que sou saudável e posso dar prosseguimento às doações por muito tempo ainda.
Para eles é uma alegria ter uma gatinha prestativa. É também gratificante quando os outros pais de gatos os agradecem.
Mas o tio veterinário foi categórico:
- Se ela não parar, quem vai acabar parando, e de vez, será a Dalila. Vocês querem perder a gatinha de vocês?
Diante dessa fala muito firme e objetiva do médico de animais, meus pais nunca mais argumentaram nada. Estão conformados que o momento da despedida acontecerá e sem transtornos.
De um certo modo estão satisfeitos, porque continuarão me levando para visitar os pacientes.
Eu estando lá, eles repararam, os bichinhos ficam mais tranquilos.
Acho que tenho dom para enfermeira...
Sempre foi um prazer ser útil aos meus irmãozinhos bichanos e cãezinhos também.
Sempre gostei de estar naquele espaço maravilhoso!...
Meus tios vets prometeram que, mesmo que eu não seja mais doadora, eu serei eternamente bem recebida naquele lugar, com direito a tratamento vip.
Afinal, doar sangue ou o tempo em prol de alguém, é sempre um lindo gesto de amor!...

(Imagem:
https://www.facebook.com/MaryDifattoOficial)

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