PARA QUEM AMA GATOS

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quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Bento e Breno



Conto de hoje: Bento e Breno.
Do livro de contos VIDA, VEZ... VOZ DE GATO, de Mary Difatto.
Toda quinta-feira, uma nova publicação.
A história de um gato contada por ele mesmo.

   
                               Bento e Breno


Éramos dois irmãos: eu, Bento, e o meu irmão, Breno.
Sou preto-e-branco, o que muita gente chama de frajolinha, e o mano, amarelo, da cor aproximada de um dia claro de sol.
Irmãos de mesma ninhada. Eu puxei à mamãe, e ele, ao papai.
Vivíamos tranquilos na casa de nossos pais humanos, embora fosse um lar muito humilde.
Lá faltavam alguns recursos, como alimentação de qualidade, lugar confortável para dormir (deitávamos num papelão colocado na varanda; até que eu gostava!), não éramos castrados, não recebíamos tratamento médico profissional (tudo os nossos pais tentavam resolver com chazinhos; no nosso caso, dava certo). Enfim, éramos gatinhos bem simples.
Mas recebíamos amor. Muito amor!
Tudo o que eles comiam, davam para nós. Não havia distinção entre humanos e gatos. Eles nos consideravam da família.
Mamãe separava pedaços de carne no próprio prato para colocar no comedouro, que era um pote de margarina após ficar vazio (cada um de nós tinha um. Para colocar água, mamãe também usava esse recurso). Comíamos com todo o gosto!
Papai fazia sopinha com restos de frango para melhorar a nossa alimentação. Dizia que engordava os bichanos. E ele acertou: nós éramos bem gordinhos!
Era divertida a voz que faziam para falar com a gente! Uma voz fininha, como se conversassem com criança humana...

Apesar de engraçada, funcionava: sempre atendíamos e ronronávamos quando eles faziam aquela voz diferente!
Quando chegou a época do cio - algumas gatinhas das amigas da mamãe começaram a miar chamando namorados - , mãezinha ficou preocupada, porque poderíamos brigar ou irmos para a rua atrás de romances.
No entanto, sendo tão mansinhos, só ficávamos no quintal, de modo que não sentíamos o cheiro característico das fêmeas, nem ouvíamos os seus chamados. No nosso bairro mesmo, não havia muitos gatos, nem gatas.
Lembro muito bem dos muitos dribles que os nossos pais faziam para nos manterem seguros.
Qualquer notícia de coisa esquisita, eles nos colocavam dentro de casa, às vezes por dias, para que ninguém nos tocasse.
Como numa certa ocasião, que chegou um circo no nosso bairro, indo parar nos ouvidos de papai, que animais como as cobras, eram alimentados com gatos vivos. Os tratadores costumavam pagar meninos para apanhar felinos domésticos, geralmente os mais gordinhos.
Cidade pequena não é fácil nesse sentido...
Essa história de caçar bichanos pelo bairro quando aparecia um circo, era vista com naturalidade. Quem tinha os seus gatinhos de estimação, que se cuidasse. Pelo menos, na minha cidade era assim!..
Por isso que durante uns três dias da visita daquele circo, ficamos trancados dentro de casa, sem podermos colocar as patinhas nem na porta de saída pela sala. Eu até que aceitava bem, mas meu maninho ficava bastante agitado.
É que, apesar dele ser muito calmo e não sair para a rua, ele gostava demais do quintal! Gostava de pegar o solzinho da manhã, gostava de dormir na graminha, fazer suas necessidades no chão...
Eu já era mais conformado. Havendo comida e água, estava tudo tranquilo!
Meu mano roçava a porta com a patinha para sair. E miava em alguns momentos também. Meu pai, nessas horas, ficava desesperado:
- Ô, rapaz, você não pode sair! Quer virar comida de cobra?
Minha mãe dava uns pedacinhos de carne a mais, só para esquecermos o quintal por algum tempo...
- Ah, num instante vocês querem ficar dentro de casa, né? - dizia ela, rindo.
Passado esse período, voltamos a ficar do lado de fora, como o de costume.
Maravilhoso demais podermos correr livres, sentindo o vento e o sol em nossos corpinhos felinos!
Nossa vida era simples, mas muito gostosa de ser vivida, como já falei antes.
Não tínhamos muitas ambições. Mesmo porque é da nossa natureza, a natureza dos gatos, apreciarmos o que nos basta. Liberdade, comida, água e carinho são sempre bons demais!
Tivemos paz durante muitos anos.
Nunca mais surgiu um outro circo. A vizinhança era muito maneira.
Porém, certo dia, chegou aos conhecimentos dos nossos pais, que uma família nova que se mudara há uma semana mais ou menos, tinha um adolescente que gostava de matar gatos.
Dizia ele que gato era troço do Demônio, e que saía matando qualquer um que visse pela frente.
Novamente o pânico tomou o coração dos nossos pais. Novamente tiveram que nos prender...
Mas dessa vez não seria por uns poucos dias somente. Seria pelo tempo que aquela família morasse ali no bairro.
Alguém mal intencionado disse àquele infeliz matador de felinos, que na nossa casa havia dois gatos, o que fez com que ele espreitasse uma oportunidade de nos apanhar na primeira escapada nossa para o quintal.
Como falei anteriormente, meu irmão não aguentava muito ficar dentro de casa. Reclamava um bocado, levando os nossos pais à loucura.
Já fazia um mês que não colocávamos as patinhas do lado de fora. Víamos o sol pela janela, e batia uma saudade daquelas de brincarmos por toda a parte, curtindo a natureza de perto.
Uma noite meu maninho perturbou tanto, que meu pai resolveu colocá-lo do lado de fora, só por uns minutos, para sentir um gostinho de liberdade e voltar.
Porém, meu irmão ficou bem mais que alguns minutos: passou a noite toda lá!
Cansado demais, meu pai havia caído no sono, e esqueceu-se completamente de pegar o mano de volta. Minha mamãe já dormia fazia algum tempo.
No meio da madrugada, papai acordou, e ficou chamando o mano direto, incansável, desesperado:
- Breno! Breno! Onde você se meteu, garoto?
Seu desespero era compreensível. Porque o seu coração já tinha a resposta...
No outro dia, a confirmação.
Uma vizinha havia encontrado um gato morto no canto da rua, e pela descrição, era ele mesmo, o Breno.
Meus pais nem quiseram ver, tal foi a tristeza por saber o amargo fim de um gatinho que só queria ser feliz.
No meu pai, o remorso o atormenta até hoje, mesmo já passado um ano.
Mamãe ainda a vejo chorando de vez em quando, principalmente quando recorda meu irmão através de fotos.
A família, cujo adolescente era um cretino matador de gatos, mudou-se há poucos dias, por vergonha de uma situação: o assassino virou bandido oficial e foi preso.
Agora ele tem dezoito anos, e por ser adulto, está em prisão comum, no meio de marginais bem nervosos, vamos dizer assim...
Claro que meus pais não são vingativos. São pessoas do bem.
Porém,  eles bem que sorriram quando souberam que o sujeitinho matador de bichanos, estava apanhando todos os  dias dentro da prisão, e foi até jurado de morte!...
Nunca mais pus minhas patas em solo externo.
Mesmo com o matador fora de circulação, meus pais temem que algo aconteça comigo.
E eu, por minha vez, também perdi o gosto pelo quintal. Não vejo mais graça...
Agora minha vida é ficar dentro de casa, principalmente debaixo de um armário no quarto, onde passo quase o tempo todo dormindo, e saio mais para comer, beber água e fazer minhas necessidades numa caixinha de areia.
Só não fico deprimido de verdade, por causa dos meus pais, que me dão tanto carinho e amor.
Por eles, vale a pena viver.
Porém, jamais vou esquecer do meu irmão Breno, o quanto era meu amigo e um ótimo gatinho para os nossos pais.
Um monstro destruiu a nossa felicidade e ainda dizia que nós, gatos, somos filhos do troço ruim.
Pois eu garanto, com toda a força do meu coração felino, que meu mano era um anjo, que só veio ao mundo para trazer alegria.
Sei que ele está no Céu dos Gatos, e que continua, do jeito mais puro que tinha aqui na Terra, fazendo o bem a todos a sua volta.
Só te peço uma coisa, meu mano: continue sendo como sempre foi, um gatinho muito feliz!

 (Imagem:

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